Uma vasta produção audiovisual já habita as mais diversas mídias e é a comprovação documental dessa tradicionalíssima manifestação religiosa que nesses primeiros dias de janeiro de 2020 completa 125 anos e, certamente, à exemplo de outros anos, arrastará mais de seis mil pessoas vindas da sede e dos 114 povoados dessa bela cidade da baixada maranhense. Os filhos dessa terra se irmanam a inúmeros devotos e admiradores das mais diversas regiões do Maranhão, uma salada sociológica onde se encontram e se misturam, ricos, pobres, católicos, evangélicos, até os que não professam qualquer religião; literalmente uma legião unida pela fé e pela cultura.

Os historiadores mais atentos em busca de entender as origens dessa tradição popular, os motivos pelos quais algo acontece por mais de um século e a cada ano ganha mais força, certamente encontrarão na natureza humana o sentido desse fervor: a FÉ, uma palavrinha mágica em forma de sentimento que o ser humano guarda dentro de si e que alimenta a trajetória de pessoas simples geração após geração. Certamente é um êxtase, um sublime aprender sociológico, saber que a promessa feita por Dativa Rosa Machado uma ex-escrava em 1895, no povoado Bacabalzinho, e que no ano seguinte estreou no coração da sede do município, poderia se transformar num evento de tal proporção.

Seguir essas pegadas históricas, no entanto, não foi tão difícil, pois ainda existem três netos de Dativa vivos e lúcidos. Um deles, Benedito Eustáquio da Guia, de 92 anos, o Benedito Guia, como é conhecido, se mostrou solícito para desvendar para às novas gerações os primórdios dessa tradição popular.

Ter o privilégio de conversar com Seu Benedito é, sobretudo, uma viagem no tempo, ele nos faz deparar com a história viva, com a lembrança da existência de pessoas simples que habitaram Anajatuba há mais um século, derramaram seu suor nas lavouras e deixaram uma história imperdível de ser aprendida pelas novas gerações.

A EX-ESCRAVA DATIVA E A SUA PROMESSA

A história do festejo se confunde com a história de Seu Benedito e seus avós paternos, Dativa e Antonio. O retirante Antonio Joaquim Guia era cearense e foi empurrado para as terras anajatubenses por uma terrível seca na década de oitenta do Século XIX. Por estas bandas enamorou-se pela ex-escrava Dativa Rosa Machado, moradora da sede. Sem saber que acompanheira estava grávida, Antonio resolveu voltar à sua terra na esperança de que a chuva tivesse dado o ar da graça por lá, fato esse que se mostrou infundado, o que o levou a voltar à Anajatuba e retomar o romance. Para sua surpresa, Dativa, nesse ínterim, havia dado a luz a um menino em 1888, ano da abolição da escravidão no Brasil, o seu filho Atanázio. Eles o batizaram, Atanásio Joaquim da Guia.

A escassez de emprego e a falta de atividade produtiva na Anajatuba do Século XIX levam os pais e mães de família a assumirem riscos inomináveis, foi o que aconteceu com Dativa.
No povoado Bacabalzinho havia um fazendeiro chamado Ayres Mendes, este ofereceu um trabalho à Dativa e ela aceitou, uma função que até então muitos haviam recusado: Os afazeres da ex-escrava passou a ser então o de cuidar de Timóteo Mendes, o filho do fazendeiro, que estava acometido por Hanseníase, uma terrível, incurável e altamente contagiosa doença, cujo nome popular enchia de pavor os moradores do lugar: a Lepra. Mesmo assim, por força da necessidade de sobrevivência, Dativa Machado, cumpriu com todo empenho a missão de cuidar da criança, dar banhos, vestir, alimentá-lo etc, mas sempre carregando consigo o “medo de pegar a doença”, e o pior, transmiti-la ao seu marido, filho e às demais pessoas do seu convívio.
Em Bacabalzinho, em 1894, já havia um festejo regado ao som do Tambor de Crioula, em louvor a São Benedito; como era a chamada “Festa de Branco”, a ex-escrava não podia entrar. 

Foi aí que surgiu em seu coração e em sua mente a ideia de fazer uma promessa a São Benedito. 
O seu maior desejo era o de que nem ela, qualquer parente ou amigo seu viesse a ser infectado pela doença. O compromisso com o Santo protetor dos negros se consolidou no ano seguinte, nos dias 5 e 6 de janeiro de 1895 o primeiro festejo em Louvor a São Benedito aconteceu. Sem querer versar sobre o óbvio, nenhum caso de hanseníase foi registrado dentre o núcleo familiar ou amigos da ex-escrava.

E hoje, 125 anos depois, a retirada do mastro, a ladainha, as missas na pequena capela no bairro do mesmo nome, os leilões, as festas dançantes, que agitam os seis primeiros dias de cada ano no município, fazem parte de uma liturgia histórica e é, sem dúvida, a mais marcante e importante manifestação cultural da cidade de Anajatuba.

DEDICO ESPECIALMENTE AOS MEUS
CONTERRÂNEOS COM TODO CARINHO.

O resgate dessa linda história, desse 
vislumbrar histórico, é uma singela 
homenagem ao povo trabalhador de 
Anajatuba, um povo de fé inabalável, de fé no futuro que virá, no qual certamente estaremos sempre juntos.
Um forte abraço, do seu amigo de fé.
David Moreira e família.