O Governo do Estado concordou em pagar uma indenização à família do artista popular Jeremias Pereira da Silva, Gerô, depois que o seu filho, Jederson Rodrigues da Silva, 25 anos, concordou com a diminuição do valor em 35% e ainda parcelar em seis mensalidade, dando assim por encerrado um processo que estava em tramitação na Justiça. Gerô foi assassinado pela polícia em 2007, aos 46 anos, quando estava sob custódia estadual, após ser confundido como um assaltante. 

A família do artista maranhense Jeremias Pereira da Silva receberá indenização no valor de R$ 250.748,76, após acordo firmado com o Governo do Estado, finalizando processo que estava em tramitação na Justiça. A ação foi movida pelo filho do artista, Jederson da Silva,com a finalidade de obter provimento judicial para responsabilização civil do Estado, à época, pela morte do artista. 

Para o filho do artista, que durante todos estes anos vem acompanhando o processo, a dor da família não se apaga com este resultado, mas é uma forma de tentar minimizar o sentimento de impunidade que também permanece. “Não repara a dor de uma perda, mas algum retorno o Estado ia ter que nos dar, por direito”, avalia.

“Aqueles dias nunca serão esquecidos”, enfatiza o jovem, mas, sobretudo, ele diz que tenta amenizar a dor com as boas lembranças que tem do pai. “Sempre que ouço uma canção de João do Vale, ou quando olho o violão do meu pai, ou quando preciso de um conselho, ele está em minha cabeça. Eu lembro dele me chamando de ‘negão’, pedindo para eu escutar a música que ele havia acabado de fazer e pedindo meu palpite, mesmo nunca aceitando os palpites”, diz ele, emocionado. 

O acordo foi firmado no momento em que ocorrem as ações da Semana da Consciência Negra, promovidas pelo Governo do Estado e que prosseguem até esse domingo (20), o Dia Nacional da Consciência Negra. A data homenageia Zumbi dos Palmares, o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial. 

Acordo

Os trâmites para o acordo seguiam normalmente e com breviedade durante a gestão do governador Jackson Lago, mas não houve a continuidade pela gestão seguinte. O processo ficou todos estes anos parados e agora, o governador Flávio Dino retomou o andamento dos trâmites. Decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão e transitada em julgado à época, resultou no pagamento de indenização a título de danos morais. 

“Com a formalização do acordo, além de assumir o pagamento do valor objeto de condenação transitada em julgado, também se permitiu honrar uma dívida moral que o Estado do Maranhão possuía com a família do artista”, avalia o procurador geral do Estado, Rodrigo Maia. 

“Com esse acordo, o Governo do Estado mostra a preocupação com a situação dos familiares e presta uma justa homenagem ao artista que muito contribuiu para a arte maranhense”, ressalta o secretário de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular, Francisco Gonçalves. “Dessa forma, temos o devido reconhecimento do Estado de um crime praticado por um agente público e, portanto, a família tem seu direito à reparação”, pontuou. 

Francisco Gonçalves enfatiza ainda que, neste momento, o Governo do Maranhão faz justiça a Gerô e à sua família. “Tendo essa sensibilidade, mostra que não compactua nem com a violência, nem com a tortura”, disse o secretário. O acordo entre as partes resultou no valor de R$ 250.748,76, a ser quitado em seis parcelas mensais. A família é auxiliada atualmente por pensão vitalícia, concedida à viúva de Gerô, por meio de lei estadual editada pelo então governador Jackson Lago. 

O caso de Gerô mobilizou o meio artístico do Maranhão e a sociedade e foi destaque em todos os veículos de imprensa maranhenses, pela perda de um importante nome da arte maranhense e por um novo olhar ao trabalho do policiamento. Fruto dessa ocorrência e pela conscientização e disciplinamento deste trato, foi instituído o Dia Estadual de Combate à Tortura, através da Lei nº 8.641/2007. Na ocasião, o Comitê Estadual de Combate à Tortura – Maranhão realizou atividades com fins a sensibilizar as instituições do Estado e a sociedade civil para condenar esse crime e erradicá-lo definitivamente. 

Filho de Pedro Correia da Silva e de Maria do Carmo Pereira da Silva, Gerô nasceu no município de Monção no dia 6 de janeiro de 1961. 

Cordelista, fã de João do Vale, Gerô foi parceiro de Joãozinho Ribeiro, de Escrete, de Josias Sobrinho, de Ribão da Flor, o Ribão de Olodum. Com seu inseparável chapéu de couro, Gerô gravou quatro CDs e diversos jingles de campanhas políticas e eleitorais. 

Relembre o Caso

Gerô se envolveu em uma confusão com seguranças da Assembléia Legislativa do Estado, que na época funcionava na Rua do Egito. Acusado de ter praticado um suposto assalto contra uma mulher, na cabeceira da Ponte do São Francisco, acabou sendo morte pela polícia militar. 

No início da tarde do dia 22 de março de 2007, uma quinta-feira, policiais militares que ocupavam a viatura 028, do 9° Batalhão de Polícia Militar (BPM), encarregados de entregar refeições nas delegacias da cidade, abordaram Gerô na cabeceira da Ponte do São Francisco, na Beira-Mar, e deram voz de prisão, sob a acusação de que ele teria cometido um assalto nas imediações. O artista, por ser inocente, teria reagido à ordem dos militares e, a partir de então, os PMs deram início à uma seqüência de espancamentos. 

Na viatura, estavam os soldados José Expedito Ribeiro Farias e Paulo Roberto, além do sargento Mendes, que pegava uma carona no veículo. Os dois soldados teriam iniciado o espancamento enquanto o sargento acompanhava tudo sem interferência. Depois de espancarem bastante Gerô, os polícias o levaram para uma cela existente (na época) dentro do posto de polícia instalado no Terminal de Integração da Praia Grande, onde mais agressões teriam sido cometidas. De acordo com o advogado Carlos Antônio Sousa, testemunhas afirmaram que as pessoas aplaudiam os momentos em que Gerô era torturado pelos policiais. 

Os dois soldados teriam pedido, então, reforço para que outra viatura conduzisse o Gerô até um hospital. O Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) enviou para o local, já no início da noite, a viatura de número 304, ocupada pelos militares Silva e Pacheco que, ao constatarem o estado grave em que o cantor se encontrava, se recusaram a conduzi-lo até o hospital. No posto policial, o tenente Alexandre acompanhava os gritos de Gerô que, insistentemente, gritava que os militares iriam lhe matar, pedindo socorro. 

Diante desta situação, os soldados Expedito e Paulo Roberto teriam conduzido o cantor até o Plantão Central da Reffsa, onde o delegado também não quis receber Gerô por conta dos seus ferimentos. Uma nova tentativa foi feita no 1° Distrito Policial – Rua da Palma, onde os soldados convenceram o delegado Eduardo Jansen de que o preso tratava-se de um doente mental e que deveria ser encaminhado por ofício até o Hospital Nina Rodrigues. No 1° DP, as agressões foram presenciadas pelo delegado Castelo Branco, que viu os policiais tentando colocar a vítima no porta-malas do carro, mesmo estando desacordado. 

Gerô ainda foi levado para o Hospital Municipal Djalma Marques (Socorrão I), mas não resistiu aos ferimentos. Segundo informações da família, foi constatado que o cantor teve cinco costelas e mão quebradas, o rim esfacelado, além das marcas de algemas nos pulsos e hematomas pelo corpo por ter sido jogado e arrastado no asfalto ainda na Ponte do São Francisco. 

Os dois soldados da PMMA, identificados como Paulo e Expedito, foram presos e autuados em flagrante, na madrugada do dia 23, no Plantão Central da Reffsa. Daí em diante o caso passou a ser investigado pela Delegacia de Homicídios, tendo à frente a delegada Edilúcia do Carmo Chaves Trindade. 

Ao todo, oito policiais, que de alguma forma participaram ou foram coniventes com a tortura sofrida por Gerô, foram indiciados pela delegada Edilúcia Trindade, na época titular da Homicídios. Cinco foram denunciados pelo Ministério Público – os soldados Paulo e Expedito, o sargento Mendes, tenente Carlos Alessandro, e o capitão Lenine. Já a promotora da 23ª Promotoria Criminal, Márcia Maia, denunciou quatro policiais militares – os soldados Paulo e Expedito, o sargento Mendes e o capitão Lenine, como responsáveis pelo martírio de Gerô. Entretanto, apenas três deles foram condenados pela Justiça por crime de tortura – os soldados Paulo e Expedito, o sargento Mendes. Após um ano da morte do cantor, os soldados Paulo e Expedito, junto com o sargento Mendes foram condenados a nove anos e oito meses de reclusão, perdendo ainda o cargo público que exerciam, conforme Lei nº 9.455 de 7 de abril de 1997 (lei da tortura). 

O processo tramitou na 7ª Criminal, sob comando do juiz José Luís Almeida. Segundo familiares e amigos de Gerô, dos três condenados o sargento Mendes conseguiu, por meio de recurso, a isenção do crime de tortura e a redução da pena, além da readmissão de seu cargo público, tendo voltado a trabalhar fardado normalmente. Os outros dois, Paulo Roberto e Expedito, passaram a cumprir a pena em regime semiaberto. 

Os advogados do PM Paulo Roberto teriam entrado com ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para tentar livrá-lo da condenação. Já o soldado José Expedito, segundo Plácido, perdeu o prazo para recursos e transitou em julgado, ele deveria cumprir a pena na prisão e perder o cargo, conforme a condenação que lhe foi imposta. 

A família de Gerô, que acompanhava cada detalhe do processo, contou ainda que o tenente Alessandro (que estava no posto policial do Terminal de Integração) e o capitão Lenine (que acompanhou o fato quando estava de plantão no Ciops) foram absolvidos e nem chegaram a ser afastados de seus trabalhos.